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quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Achados e Perdidos

Lar de Maravilhas
É onde moram as máquinas progressivas


1975 é praticamente o auge do rock progressivo, com os grandes nomes do gênero lançando discos importantes. Muita baboseira já foi escrita sobre o rock progressivo, tanto de bem como de mal, tanto fora como dentro da mídia especializada, mas ainda falta uma revisão coerente desse período, com reconsiderações urgentes. O disco “Lar de Maravilhas”, da banda paulista Casa das Máquinas faz parte diretamente dessa revisão, como sendo um verdadeiro achado.

A banda foi formada a partir da desintegração dos Incríveis. Netinho e Aroldo Binda formaram aquela que seria a banda para satisfazer musicalmente os dois. Carlos Geraldo, Piska e Pique completaram a primeira formação do grupo, responsável pelo primeiro disco, em 1974, chamado apenas de “Casa das Máquinas”, ainda com uma pegada pop, na linha dos Incríveis. Algumas mudanças aconteceram e a banda lançou essa maravilha.

Com a saída de Pique, que era saxofonista e tecladista, entraram mais um baterista, Marinho Thomaz, irmão de Netinho e um tecladista, Mário Testoni Jr. A parafernália eletrônica e o estilo rebuscado de Testoni deram um impulso progressivo ao grupo, que mudou completamente o visual e o som. As guitarras de Aroldo e Piska ficaram mais viajadas, cheias de efeitos e harmonias etéreas. O baixo de Geraldo segurou a onda em grande estilo, sem dever nada aos grandes nomes do gênero.

O resultado dessa experiência musical é um dos mais interessantes discos do rock progressivo brasileiro. O timbre de órgão Hammond e os sintetizadores são fenomenais. As guitarras são coesas, com vários contrapontos e climas dinâmicos. As duas baterias são casadas com perfeição milimétrica e em alguns casos elas se estendem em funções diversas, criando uma textura musical muito massa. As letras não deslizam no besteirol típicos do gênero, mas ainda sublinham lugares-comuns, com algumas imagens telúricas já diluídas em letras de bandas com o referencial do Yes.

Existem nesse disco alguns momentos acústicos de beleza rara. A melodia de “Lar de Maravilhas” é qualquer coisa de deslumbrante. É um clima propício para se conhecer outras galáxias. Definitivamente essa é uma música para se ouvir sozinho, com direito a incenso e escuro. “Cilindro Cônico” é outra viagem imperdível, com aquele timbre de Hammond liderando a melodia e aquele timbre de baixo profundo. “Vale Verde” é também cheia de climas viajantes, com destaque para os sintetizadores diversos e um solo de guitarra excelente, carregado de efeitos.

“Vou morar no ar” fez muito sucesso e com razão. É claro que o suporte da rede Globo foi fundamental, com a faixa chegando a fazer parte de trilha de novela. A Som Livre, através de João Araújo, pai de Cazuza – que escreveu o release do disco – investiu pesado na banda, colocando no fantástico, no Sábado Som e posteriormente no Rock Concert. Houve também uma tentativa de lançar a banda internacionalmente. Nesse período o Casa das Máquinas tinha uma superestrutura, com aparelhagem de som pesado, com jogo de luz e cenários. As duas baterias causavam impacto, bem como o visual da trupe.

Mas o hit se justificava pela qualidade da composição. O clima cinematográfico do início da faixa, com aquelas passadas, a chuva, o trovão e as batidas na porta, fez e faz parte do imaginário coletivo da lisergia nacional. O clima espacial da faixa, com aquela guitarra embalada por um dos whas mais espertos do período, também entraram para história. Essa é uma faixa imperdível. Ao contrário de “Lar de Maravilhas”, essa é para ser ouvida no talo, com o amplificador pedindo perdão.

Outra faixa sensacional é “Epidemia de Rock”, com uma introdução de bateria simplesmente arrasadora, duas baterias em sintonia fazendo uma convenção super-pesada. Escute e tenha em mente um momento histórico dessa banda que lançou quatro discos, sendo três pela Som Livre e um independente. O último disco oficial da banda, “Casa de Rock”, é também sensacional. A banda voltou recentemente, com alguns integrantes da formação original, para uma apresentação no Festival Psicodália de Carnaval 2008 em 3/2/2008 na serra do Tabuleiro em Santa Catarina e prometeram lançar material novo.

Para Download : http://www.mediafire.com/?9c0dwnywyyz

segunda-feira, 22 de setembro de 2008



Aos Vivos
Hermeto Pascoal ao Vivo
Em Montreux Jazz


Naquela noite única de 1997, quando Claude Nobs anunciou Hermeto Pascoal como sendo qualquer coisa de inacreditável, com um inesperado senso de improvisação, harmonia, composição e execução, vindo da distante e múltipla música brasileira, ele não sabia exatamente que estava fazendo parte de um momento iluminado, singular, repleto de transcendência musical e espiritual. Estavam lá no palco, junto com o mago Hermeto, todos os deuses da natureza, tocando e encantando.

Em todas as músicas do repertório daquela noite o público foi brindado com o mais alto nível de improvisação que um músico pode desenvolver. É um momento sobrenatural. A capacidade criativa de Hermeto e banda, aliás, umas das maiores bandas já formadas no Brasil e no jazz universal, é de uma grandeza incabível em palavras. A interação do mago com seus músicos e com a platéia é qualquer coisa inexplicável, são momentos de criação viva, na hora, música brotando no suor.

Hermeto tocou tudo que se possa imaginar: piano, clavinete, sax soprano, sax tenor, clavieta (escaleta), flauta, e improvisação de voz. Em todos esses instrumentos ele quebrou tudo, o seu improviso de escaleta em “Lagoa da canoa” é fantástico, ultramoderno, cheio de swing, harmônicos, vozes de embocaduras e escalas nada diatônicas, em um instrumento extremamente limitado. Essa mesma faixa começa com um solo de bateria de Nenê,que não tem explicação plausível. Essa obra-prima ainda tem um solo de tenor de Cacau que é de outro mundo. Nivaldo Ornelas dá uma aula, nessa mesma música, de ritmos e pegadas brasileiras em um sax soprano, através de saltos de notas e intervalos inacreditáveis. A faixa termina em apoteose.

Esse é apenas um dos momentos mágicos desse show. A faixa “Remelexo” é uma improvisação de voz de Hermeto Pascoal, em que ele transcende e faz da voz um instrumento de improvisação, com escalas e letra ao mesmo tempo. A banda não conta conversa e entra na onda.O chorinho “Fátima”, vira o maior jazz, com uma improvisação de Hermeto Pascoal na escaleta, o instrumento que ele está tocando na capa do disco, em cima de uma harmonia mais do que complexa. Ele não só reinventa esse instrumento como reinventa as possibilidades de improvisação em uma seqüência harmônica de desempregar muitos músicos.

Em “Terra verde”, “Maturi” e “Quebrando tudo”, Hermeto avessa o clavinete, que é outro instrumento muito limitado, que nas mãos do bruxo ele ganha cinqüenta mil oitavas. Hermeto Pascoal nessas músicas, que são emendadas pelos improvisos, faz citações de outras e encontra atalhos atonais descomunais, além de descobrir timbres jamais escutados nesse instrumento, em um desafio de solfejo e teclas histórico, com a banda esbanjando dinâmica. Aliás, que banda é essa, velho? Dá vontade de chorar de tão emocionante que é ouvir esse disco.

Nenê de bateria; Itiberê Zwarg no contra-baixo; Jovino dos Santos de harmonias impossíveis ao piano e clavinete; Zabelê e Pernambuco nas percussões diversas; e mais Nivaldo Ornelas, sax tenor e soprano; Cacau, sax tenor e soprano. Eis os ingredientes da poção mágica do bruxo Hermeto. Esse show histórico era pra terminar com a fenomenal “Forró Brasil”, uma delirante linha melódica, rápida e cheia de acidentes. Mas o público não deixou e ele voltou com a delicada faixa “Montreux”, composta no hotel, especialmente para o festival. O público ainda delirou com os improvisos “Voltando ao palco” e “E adeus” , para encerrar definitivamente aquela magia inesquecível e histórica.

Esse é um disco único.




Clássicos
Blind Faith
Esse rock é de fé


Existem algumas coisas no rock que é preciso ouvir para crer. São histórias esdrúxulas, histriônicas e mitológicas. De tudo já aconteceu no reduto mais afetado do planeta. Muita armação. Muita mentira. Muito bico tocando porra nenhuma, fazendo pose e entrando para a história via mídia, que é a prostituta oficial disso tudo. Muitos têm que dobrar os joelhos para a imprensa para não morrer no anonimato. Com o Blind Faith foi diferente, essa quenga ordinária teve que estender um tapete vermelho para eles, que não estavam nem aí para badalação ou idolatrias.

Sem muitas delongas, a história é a seguinte: Eric Clapton e Steve Winwood começaram a se encontrar furtivamente para levar um som sem pretensões, eles estavam desapontados com o rumo megalomaníaco que a coisa toda estava tomando, com grandes festivais e apresentações para públicos maiores, além de turnês exaustivas, até que Ginger Baker toma conhecimento e insiste em participar também. Desde o Cream que Ginger Baker estava meio desponbalizado, um verdadeiro prego. O receio era esse. Um grande baterista, mas prego. Depois de várias tentativas ele se junta aos dois.

Logo eles resolveram chamar Rick Grech, baixista da banda Family. Os ensaios se tornaram freqüentes, com longas improvisações, bem na linha das apresentações do Cream e do Traffic. Composições foram nascendo naturalmente e a gravação tornou-se inevitável. O lance é que a imprensa soube dos encontros e bradou para tudo que é lado que uma superbanda estava formada e que o disco seria uma das maiores obras-primas do planeta. Claro que ficou todo mundo esperando. Daí o nome da banda, uma fé cega de mercado.

A banda era realmente estratosférica. Eric Clapton estava longe de ser um deus da guitarra, mesmo em sua época de desbunde, mas esbanjava carisma e estilo, que é mais importante do que virtuose. Além disso já havia escrito páginas importantes da história do rock e era pai de uma geração enorme de novos guitarristas. Steve Winwood já era respeitadíssimo pelas suas harmonias sofisticadas ao piano e órgão, suas composições originais, com linhas melódicas irresistíveis e um vocal mágico, capaz de alcançar notas impossíveis e transportar o ouvinte para as terras maravilhosas dos sonhos.

Ginger Baker era um caso a parte. Muitos achavam que ele era um espancador de baterias. Outros se maravilhavam com a pegada pesada dele. O fato é que ele tinha personalidade e caminhava em sentido oposto ao péssimo Ringo Star e ao preciso e balançado som de Charlie Watts, que lideravam uma legião de bateristas educados musicalmente e bem comportados em família. Ginger Baker sentava a mão, sem medo de incomodar os moradores da cidade vizinha e era doido varrido. Fez escola: Carmine Apice, Gorki Laing e o paneleiro Kaith Moon, entre outros.Rick Grech mostrou nesse disco o quanto a banda Family era ruim e bizarra.

O disco foi gravado em sessões esparsas em fevereiro, maio e junho de 1969, no Morgam Studios e Olympic Studios. A capa que saiu na Inglaterra foi vetada nos Estados Unidos. O som é uma mistura de legítimo rock, hard rock, blues, folk e alguns traços de psicodelismo nas faixas “Had to cry today” e “Do what you like”, duas faixas longas, com muito improviso massa. Essas duas faixas são duas referências obrigatórias no rock mundial O disco é pra ser ouvido de uma vez só e com várias repetições e, claro, no volume máximo. O resultado final é difícil de ser igualado nos dias atuais, principalmente por alguns excrementos do indie rock e da merdologia emo.

Eric Clapton viaja nas faixas citadas, mas é em “Presence of the Lord” que ele faz um solo inesquecível, sem firulas e sem fritações debilóides, apenas um sentido musical acima da média. Impossível não se arrepiar com esse solo, melódico e sensível como a composição. Steve Winwood está impagável em todas as faixas, com sua voz inconfundível e inimitável. Mas em “Can’t find my way home” ele dá uma verdadeira aula de canto, com falsetes de tirar o fôlego.

Em “Well all right” a banda toda mostra que tem swing, com destaque para o breve solo de piano de Steve Winwood. Só mesmo a versão de Santana dessa música é mais balançada. O clima Traffic, uma das maiores bandas de todos os tempos, liderada por Steve Winwood, ficou muito mais projetado em “Sea of joy”, composição de harmonia elaborada, cheia de voltas e climas, de vocal difícil e violino de Rick Grech quase chorado.

Se você conhece esse disco, com certeza deve tê-lo como um dos preferidos. Se você não conhece ainda, eu não sei o que você está fazendo da vida. Baixe o arquivo o mais rápido possível ou compre o original importado, se possível em vinil, pois esse é um dos maiores clássicos do legítimo rock. Escute para crer.

terça-feira, 9 de setembro de 2008




Achados e Perdidos

Qualquer Coisa
É raro e é Jóia

Caetano Veloso divide unanimidades. Com suas teses mirabolantes ele refaz os conceitos de gostar. Nem sempre é coerente em suas opiniões e nem sempre é coerente em suas composições, mas a sua obra como um todo é mais do que coerente, é sutilmente genial. É preciso aprender a gostar de Caetano Veloso. Um bom começo é ouvir e pesquisar “Qualquer Coisa”.

O ano de lançamento desse disco é 1975, em plena ditadura militar, em plena resistência cultural. Mas esse não é um disco de confronto aos anos de chumbo, muito pelo contrário, é um disco cheio de referências estrangeiras. Por isso ele logo foi taxado de alienação pura. O disco faz parte de um projeto maior. Foi lançado junto com o disco “Jóia”, sendo os dois lançados ao mesmo tempo.

O que liga esses dois trabalhos é a homenagem direta aos Beatles, através da releitura de quatro músicas do quarteto: "Help” em "Jóia”, Eleanor Rigby", "For No One" e "Lady Madonna" em "Qualquer Coisa". As capas fazem uma intertextualidade toda especial. A capa de “Jóia” é um diálogo com a capa do disco “Two Virgins”, de John Lennon e Yoko Ono, ambas censuradas pela nudez dos artistas. Já a capa de “Qualquer Coisa” é um diálogo com a famosa capa do disco “Let it Be”, dos Beatles, o último lançamento do quarteto inglês.

Se no cenário internacional o rock começava a demonstrar cansaço pelas tendências progressivas e pela canastrice do rock de arena, bem como o punk e a disco music prometiam muita barulheira de protesto e diversão imbecilizada, respectivamente, Caetano Veloso apresentava um intimismo minimalista que quebrava o clima geral, com suas canções sobre amor e suas homenagens nada póstumas a quem ajudou a mudar o comportamento social daquela juventude.

“Qualquer Coisa” é denso em sua poesia e leve em seus arranjos. Tudo na medida certa, sem tirar nem pôr. Verdadeiras pérolas foram lançadas aos porcos fardados. “Qualquer Coisa”, “Da Maior Importância” e “A Tua Presença Morena” são fenômenos poéticos raros, que não perdem força com a retirada da música. As releituras dos Beatles são singulares. Nunca ninguém fez nada parecido com o que Caetano e banda fizeram com “For no One”. João Donato e Perinho Albuquerque deram um toque universal ao individualismo do fã diante dos seus ídolos.

Já a versão de “Drume Negrita” caberia muito mais em boa parte do repertório de “Jóia”, por ser descartável e sem nenhuma espécie de junção estética, apenas uma versão com reservas. Ainda no campo das versões, Caetano Veloso acerta no alvo em sua releitura de “Jorge de Capadócia”, de Jorge Ben, uma faixa enigmática e cheia de força esotérica, rápida e rasteira como um raio vingador. Em “Samba e Amor”, de Chico Buarque, Caetano faz música proletária sem ser panfletário.

“Qualquer Coisa”, a música, ainda tocou no rádio. Era um tempo em que o rádio tinha representatividade na construção do imaginário popular e a distância era algo doce, que transformava ansiedade em magia. O estranhamento da poesia, com aquele papo todo torto, aproximava o poeta do concretismo paulista ao mesmo tempo em que afastava o compromisso irrefutável de se fazer guerrilha com a arte. Hoje eu compreendo isso, naquele tempo não. Mas o tempo também não tem coerência.

domingo, 7 de setembro de 2008

Leninha in Blues, o Show

Eu não sei necessariamente quantos mistérios existem na afirmação categórica de que o Cariri é o berço da cultura. Sei que essa afirmação tem um arcabouço e tanto de inferências. Nem sempre existe consenso sobre isso. E não deve ter mesmo. A questão deve sempre ser mantida em aberto, principalmente quando ela, a cultura, parece sofrer um cerco aniquilador jamais visto em nossa história. Mais um exemplo foi dado ontem, no novíssimo teatro do Sesc, em Juazeiro do Norte, o cartaz anunciava Leninha in blues.

O show estava lá. O público não. Vergonhosamente não. Ao todo eram 12 pessoas, sendo público mesmo eu e Mônica, minha mulher, mais Jean Nogueira e Socorro Moreira. Os outros eram ou parentes de Tiago Correia - guitarrista de Fortaleza, que acompanhou Leninha, junto com Manel de Jardim, a lenda – ou integrantes da equipe de produção do Sesc. Depois do show iniciado apareceram mais alguns outros, não mais do que seis e que desapareceram antes mesmo do show terminar.

Leninha foi de uma dignidade sem tamanho. Fez o seu show com uma entrega artística rara nos dias atuais, em que qualquer banda merda de barzinho assume os ares de personalidades máximas do show busines, com direito a poses cretinas e comunidades orcutais, assim mesmo, com as mesmas letras que escrevem orifício. Mesmo a apresentação contendo algumas restrições, o trio se superou em dignidade.

Daí os velhos questionamentos: faltou público por causa da atração? Ou foi por causa do formato, sem banda? Ou será que não foi por causa do repertório de Leninha, que sempre repete as mesmas músicas de Janis Joplin e Cazuza? Ou por causa da produção? Ou ainda por causa da divulgação, eterno problema em se tratando de Sesc, (basta lembrar todas as edições das Mostras)? Para muitos esse pode ser um terreno minado, exatamente por causa dos mimos, essa estranha força que assola a lona colorida do circo artístico caririense. Para mim, não.

Antes de mais nada é preciso saber com quantos reais é feita uma produção dessas, bem como quais são realmente os interesses em jogo. A verdade é que santo de casa não caga milagres. Cagam os de fora, recebem cachê significativo, tratamento de estrelas sem nenhum céu e depois saem daqui com a certeza de que estiveram em uma província, ainda no campo das abastanças, basta lembrar o último show do “Nação Zumbi” ou o último show do “Trio Sotaque”, duas porcarias ambulantes aplaudidas por muitos. O fato é que aqui existe muita produção de gabinete, de edital e de projetos institucionais.

Outra reflexão imediata é sobre o público. Essa mesma produção trabalhou em um grande espetáculo: “Femininas”, muito bem produzido, com quatro das melhores cantoras do Cariri cantando bossa e outras ondas. Da mesma forma o público não compareceu. Da mesma forma o público também não comparece para prestigiar o que é caririense nas Mostras e nem na maioria dos espetáculos produzidos pelo Centro Cultural do BNB. Agora, basta trazer qualquer enganação de fora que o público aparece. Isso é culpa dos artistas ou da produção?

Leninha é uma cantora excepcional e uma compositora de talento, não precisa provar nada para ninguém. Mas ela precisa urgentemente mudar o seu repertório. Suas releituras de clássicos de Janis Joplin e de outros “clássicos” dos barzinhos, tornaram-se enfadonhas. Todo o seu talento deveria se voltar para suas composições, com banda completa. Mesmo assim o seu desempenho foi magistral. Nesse show ela deu mostra de toda a sua experiência de palco e de toda a sua força como bandlead, usando e abusando de gags vocais, técnicas de microfone, modulações e falsetes de tirar o fôlego. Leninha estava solta, impecavelmente talentosa, mas dentro de um repertório impecavelmente manjado.

Manel de Jardim no baixo e no violão fez parceria com Tiago Correia na guitarra. Dois músicos excelentes, mas em determinados momentos desentrosados. Se o número de ensaios não foi suficiente para dar unidade total, a carga de talento foi muito generosa para dar um tom todo especial ao show. Muitas improvisações inspiradas. Tiago tem um fraseado fácil, rockeiro, sem a caretice insuportável das vídeo-aulas, que formam guitarristas às dúzias aqui no Cariri e nas mais distantes cafuçulândias. Manel de Jardim dispensa comentários.

Eram 12 pessoas apenas e uma população flutuante mínima. Em compensação ao fiasco de público o palco estava lotado por uma multidão de talentos e uma infinita dignidade da maior e mais afinada cantora caririense. Leninha canta porque sabe e não porque no meio do show manda abrir uma rodinha para a natureba dançar uma ciranda.

sábado, 6 de setembro de 2008


Aos Vivos

Pepeu Mais Vivo do Que Nunca

Falar de Pepeu é praticamente falar da música brasileira em toda a sua extensão, com suas peculiaridades próprias e assimilações diversas. São poucos os guitarristas que têm a musicalidade de Pepeu, um dos maiores do mundo. Nesse registro ao vivo, no 14º. Festival de Montreaux, ele avessa a guitarra, a guitarra baiana, o cavaquinho e o bandolin, com uma capacidade monstruosa.

Os shows de Montreaux já são manjados, uma mistura esquisita em que pesa mais o mercado do que o jazz em si. Vários artistas brasileiros já se apresentaram lá e ainda se apresentam. Existem várias armações, frutos de contratos de grandes gravadoras, que têm no evento o palco ideal para projeções maiores dos seus artistas. Essa apresentação de Pepeu não tem nada disso, é arte pura.

Pepeu estava no seu segundo disco solo, “Na Terra a Mais de Mil”, já com o respaldo da crítica do primeiro disco, “Geração de Som”. A fórmula era instrumental brasileiro misturado com uma pegada rockeira de primeira linha. O primeirão já foi uma porrada sonora, puxada pelo relativo sucesso de “Malacaxeta”, então na versão instrumental. O segundo teve mais percussão e mais repercussão, devido à balada “Meu coração”, que tocou bastante nos rádios, e a versão cantada de “Malacaxeta”, com letra de Caetano Veloso.

Muitos criticaram a decisão de Pepeu cantar, que tinha se vendido e tal. Não importa quanto ele cante e o que ele cante, o que vale é ouvir a sua guitarra, com seus timbres peculiares e suas afinações bizarras. Ele é que enrola os seus próprios captadores e faz as partes elétricas dos seus instrumentos, daí vem parte do seu som, sendo a outra parte talento puro e estilo próprio, sem caralho de vídeo aula ou babaquice de “intenção blues” nos modos mixolídio ou qualquer outra porcaria que o valha. Pepeu é intuição e inventividade, swingue no sangue, é malandragem de autodidata, que não precisa de afinador eletrônico.

Quando ele esteve pela primeira vez no palco de Montreaux foi com Gilberto Gil. Ele quebrou tudo, com solos memoráveis e uma energia contagiante, integrando uma das maiores formações da mpb naquela ocasião, uma superbanda. Ele voltou com a sua própria banda – e que banda velho!!! - , sendo a atração principal da noite. Não deixou por menos. Mostrou com classe o que é que um verdadeiro músico brasileiro é capaz de fazer com uma guitarra na mão. Só o disco, o produto em si, é que ficou mal pra caramba, cortaram grande parte do show e montaram um disco simples, sem muita qualidade sonora. Mas dá para viajar, e muito.

Depois da tradicional apresentação de Claude Nobs, o pau comeu redondo e sonoro. A primeira é um medley de chorinhos puxadas por um clássico do mestre dos mestres, Pixinguinha, “Lamento”. Parte da platéia gringa ficou calada, procurando entender, a outra parte, que era brasileira, já sambou. Foi o cartão de visita de Pepeu. Depois vieram “Noites Cariocas”, “Chuvisco no Samba” e “Riroca Swingue Branco”, todas com arranjo de regional no mesmo medley, com direito a cavaquinho, bandolin e outras bossas.

“Luz de Guadalupe” é um blues. Mas um blues fusion, misturado com o sotaque brasileiro. Né careta não. Uma aula de como não soar igual aos iguais, em um estilo cheio de cópias baratas, de paninho passado e tudo mais. Depois Pepeu abre a boca para cantar “O Mal é o que sai da boca do homem”, uma visão anarquista sobre a censura brasileira e uma escrachada apologia da liberdade. Argumentado sobre a inclusão dessa música no repertório ele riu e disse que era devido à censura ter vetado a execução da música no Brasil.

Em “América Tropical” e “Todo Amor ao Jimi”, Pepeu solta os dedos em dois improvisos inspiradíssimos, lisérgicos. A primeira tem uma harmonia complicada, cheia de acidentes e convenções, ele senta a mão, sem medo de errar. Na segunda Pepeu é sentimento puro, é de arrepiar, é pra ouvir no talo, encobrindo aquela merda de forró eletrônico que o seu vizinho escuta todo dia e toda hora. Essa é aquela balada pra ouvir depois da meia noite, sentado no batente, (lembra?), vendo o Cariri todo piscando suas luzes.

“Afoxé do Garcia” e “Rei do Baião” têm um balanço irresistível, você balança nem que seja a sombra. Jorginho Gomes é um dos maiores bateristas do mundo, toca sem pena, toca forte e de forma educada, isso se chama peso. Luciano Alves é quem pilota os teclados, um verdadeiro maestro, com grande senso de improvisação, sem cair no mecanismo da prática de estudos. O baixo fica por conta de Didi Gomes, outro irmão de Pepeu, cheio de Grooves e escalas descomunais. A percussão foi tocada por Charlie Negrita e Baixinho, sem comentários, é muito swingue. “Rei do Baião” é a faixa em que a sanfona mais do que especial de Oswaldinho aparece mais, pense numa levada doida.

“Blue Wind“, de Jean Hammer, imortalizada por Jeff Beck, encerra o disco de forma magistral, com pegada muito mais rockeira do que o arranjo original, além do molho todo especial da cozinha. Uma verdadeira aula de guitarra. O dueto de guitarra e teclado é justo, seguido de um solo alucinado de Luciano Alves. Pepeu sola com um timbre duplicado em oitavas. É curta. É pesada. É massa. Esse disco é obrigatório.