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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009



Clássicos

A música inquieta de James Blood Ulmer em
Are you glad to be in America
No início dos anos 80 um disco surpreendente sacudiu as bases do rock , do jazz, do funk e da cena punk. “Are you glad to be in America” é uma daquelas raridades eternas, que não envelhece com o passar dos tempos e dos modismos. James Blood Ulmer é um artista singular, com uma carreira de muitas produções e muitas facetas. Uma delas é essa liberdade sonora apresentada nesse objeto voador alucinado.

James Blood Ulmer apareceu para a música através do jazz e do soul, tocando sua guitarra semi-acústica de forma inusitada. Entre vários artistas dessa época, início dos anos 60, ele desenvolveu um trabalho significativo ao lado de Art Blakey e Joe Henderson, mas foi com Ornett Coleman que ele definiu sua pegada e sua visão musical. Era o período das vanguardas e das fusões dentro do jazz. Esses sotaques e tendências foram apresentadas por Ornette Coleman a James Blood Ulmer, que passeou por elas até chegar ao blues, estilo atual desse lisérgico guitarrista da Carolina do Sul.

James Blood Ulmer formou vários grupos, fez discos solos e participou em discos de uma pá de artistas. Sua discografia é longa e dividida entre o experimentalismo e a música de raiz. Na sua fase mais inquieta é possível encontrar facilmente a genialidade desse guitarrista negro, que tem estilo próprio e um som original, sem cópias e sem enganações de clichês prostituídos. Sua fase experimental não é para qualquer ouvido. É preciso ter cultura musical para entender e aceitar seus vôos rasantes e suas manobras vertiginosas.

Fora os seus discos solos, vale a pena conferir suas bandas revolucionárias: Music Revelation Ensemble com David Murray and Ronald Shannon Jackson; Phalanx, com o excepcional saxofonista George Adams; e a sensacional banda Odyssey, com o baterista Warren Benbow e o violinista Charles Burnham. Seus últimos três discos têm uma pegada de blues do Delta, sendo que o último Bad Blood in the City: The Piety Street Sessions (Hyena, 2007), foi produzido por Vernon Reid, guitarrista do Living Colour. Esse disco ganhou prêmios e foi considerado pela crítica como um dos melhores de todos os tempos. Mesmo assim James Blood Ulmer ainda se mantém à margem do grande esquema.

Are you glad to be in America é irônico e sarcástico o tanto quanto o título sugere. Nesse disco e em outros da mesma época, como Revealing (1977); Tales of Captain Black (1978); Freelancing (1981) e Black Rock (Columbia, 1982), James Blood Ulmer mistura free-jazz , rock , minimalismo, blues , soul, funk e música tribal numa só pegada alucinada de improvisação geral em estúdio. O clima é de música atonal, notas soltas e improvisações viscerais a partir de uma célula musical que se repete o tempo inteiro em diversas texturas.

Duas músicas são cantadas: jazz is the teacher (funk is the preacher) e a faixa título. As frases da guitarra de James Blood Ulmer soam descontínuas e fragmentadas, com timbre gordo , captadores duplos ligados no talo, sem aquela frescura de um chorus limpo , ligado em um combo poyitone, de som bem limpo e educado. Porra nenhuma disso. O som é cru e sem perdão. As escalas usadas pelo louco da Carolina do Sul são exóticas e ao mesmo tempo modais e pentatônicas. Ele não pensa em escalas quando toca, simplesmente mete a mão. Por isso fez sucesso na cena punk, só que ele sabe tocar e os sujinhos não.

Algumas das faixas mais piradas do jazz alternativo estão aqui nessa obra de valor inestimável. James Blood Ulmer juntou David Murray, no sax tenor; Oliver Lake, no sax alto; Olu Dara, no trompete; Amim Ali, no baixo ; e os bateristas Calvin Weston e Ronald Shannon e produziu o som mais tosco que uma banda de jazz pode tocar. Suas linhas progressivas de frases, que se repetem em contra-ponto ou simultâneas, parecem ter sido gravadas através de grandes compressores, que deixam tudo muito na cara, sem alternativas para o ouvinte, a não ser mergulhar de cabeça nessa lisergia geral. Escute qualquer faixa desse disco e sua vida de ouvinte não será mais a mesma, muito menos a sua concepção de guitarra.