Total de visualizações de página

sábado, 14 de julho de 2012





50 anos de Rolling Stones


Não é nada em especial, nada apoteótico. Apenas escrevo sobre três discos de uma banda que eu gosto demais. Já escrevi anteriormente nesse blog sobre “Exile on main st.”, um álbum fora de série. Agora levo em consideração outros discos que também considero geniais. Não é comemoração de porra nenhuma, é apenas rock’n’roll, e eu estou nessa de com força.





IT’S ONLY ROCK’N’ROLL

Esse é um disco de transição, em vários sentidos. Tem muito mais pegada do que os anteriores, marca a saída de Mick Taylor e a eminente entrada de Ron Wood, como também é o primeiro em que The Glimmer Twins assinam a produção. Muda a sonoridade, muda a pegada, o texto fica mais festivo, mas a ironia, o deboche e o sarcasmo continuam.

Reza a lenda que a ideia inicial era gravar um disco apenas com covers da música negra americana, que havia despertado o interesse da dupla dinâmica, inclusive influenciando o disco anterior, o famoso “Sopa de cabeça de bode”. No entanto, um novo material foi escrito e restou apenas a versão de “Ain’t too proud to beg”, sucesso dos Temptations, que recebeu uma interpretação próxima da original, mas muito mais pesada, verdadeiramente roqueira.

Das outras nove faixas autorais existe uma certa polêmica sobre “Time waits for no one”. Mick Taylor afirma ser co-autor dessa faixa, mas no disco foi creditada apenas a Jagger e Richards. Há quem afirme que esse foi um dos motivos para Mick ter saído da banda, pois não era a primeira vez que isso acontecia. Como também há quem afirme que isso aconteceu com Brian Jones e acontece frequentemente com Ron Wood. Outra peculiaridade é que a faixa que dá título ao disco vinha sendo trabalhada por Mick Jagger e David Bowie, mas foi gravada na casa de Ron Wood e creditada na capa do disco como tendo sido inspirada por ele.



Com a produção própria, depois de várias produções em parceria com Jimmy Miller, os metais foram deixados de lado, os pianos foram mantidos, a bateria ganhou mais destaque e a voz de Jagger ficou mais próxima da base, para formar a massa sonora que caracterizaria o som dos Stones daí por diante. Também é relevante o controle sobre os solos, fato que sempre incomodou Keith Richards, que revelou em sua autobiografia “Vida”, alegando que o grande barato dos Stones sempre foi não haver distinção entre guitarra solo e base.

Para Richards Mick Taylor não se encaixava na banda por ter essa característica de ser um guitarrista solo, e também pelo fato de não se envolver no estilo de vida dos Stones: sexo, drogas e rock’n’roll. Acontece que os discos em que Mick Taylor participa estão entre os melhores de toda uma geração roqueira. Antes dele a banda era reputada pelas atitudes rebeldes e pelo discurso inflamado, nunca pela musicalidade.

Vale ressaltar também que em sua biografia Keith Richards também reclama da presença virtuosa de Billy Preston, afirmando que por muitas vezes a banda era obrigada a seguir uma linha determinada pelos teclados de Billy, pela sua qualidade musical, mas que na realidade aquilo fugia ao estilo roqueiro dos Stones. A verdade é que se trata visivelmente de uma briga de egos, tanto é que, há um bom tempo, Jagger e Richards mal se falam.




“It’s Only Rock’n’Roll” é um disco que Richards se refere muito pouco em sua biografia. A crítica também não é unânime e nem os fãs. Distante dessas polêmicas menores e sob o olhar e a audição de quem gosta de rock, esse disco é pedra, tem presença garantida na discoteca de quem saca do assunto. Esse é um disco visceral, urgente, com unidade, mesmo que gravado aos pedaços, como a maioria dos discos dos Stones.

“If you can’t rock me” abre o disco na mais perfeita tradução do universo stoneano: riffs certeiros, balanço, malícia e sarcasmo. Pra ouvir no talo, faça as paredes da sua casa balançar. Destaque para o baixo de Bill. “Ain’t too proud to beg”, foi lançada como single e tem o destaque para o clavinete de Billy Preston, que dá um toque especial a esse r&b.

Logo em seguida vem a faixa título, que tem a base da banda de Ron Wood, que estava gravando o seu primeiro disco solo, paralelo ao Faces: Kenney Jones, bateria; Willie Weeks, no baixo; Ronnie Wood, no violão de doze cordas e vocais. A faixa conta ainda com os vocais adicionais de David Bowie. (Será que existiu de fato um caso entre Jagger e Bowie? Quem se importa?). Essa faixa é simplesmente obrigatória.





"Till the Next Goodbye" é uma das grandes baladas desse disco e do repertório dos Stones, com destaque para o slide de Taylor, técnica que Richards nunca dominou. Logo em seguida vem uma das músicas mais bonitas dos Stones, a super balada . "Time Waits for No One" , um clássico de todos os tempos, climática, etérea e profética. Mick Taylor mostra todo o seu talento em um solo memorável. Assim fica fácil compreender o ciúme de Richards.

"Luxury" abre o lado dois do vinil e é outra faixa que traduz perfeitamente o universo stoneano. Outro clássico. Também para ser ouvido no talo. Logo em seguida vem o petardo, a cacetada chamada "Dance Little Sister", a mais feroz do disco, com pegada animal, para estourar seus alto-falantes, essa é aquela música ideal para você ouvir antes de ir pra qualquer balada, acende qualquer brochada. Já "If You Really Want to Be My Friend" é uma balada pra mergulhar na solidão.

"Short and Curlies" remete às raízes dos Stones, quando eles faziam covers de blues americanos. "Fingerprint File" encerra o disco de forma emblemática. Eis aqui a sonoridade do disco posterior: “Black and Blue”. Vários sintetizadores foram utilizados nessa faixa e o seu discurso revela a realidade de Keith Richards, mergulhado em drogas e problemas com a polícia. A paranóia de receber a visita dos policiais era a realidade corrente de Richards, que havia passado pelo constrangimento de ir a júri, em 1973, com 26 acusações. Absolvido, mas absorvido.







SOME GIRLS

“Eu nunca tive problemas com drogas, tive com a polícia”, certa vez vaticinou cinicamente para a história Keith Richards. Pouco antes das gravações de Some Girls ele foi preso no Canadá, portando 28 gramas de heroína, sob a acusação de tráfico, com chances reais de ir pra cadeia. A sombra dessa consequência pairou sobre as gravações dessa obra prima.

Já em Toronto o guitarrista foi obrigado a passar por um longo processo de desintoxicação, além de conviver por um bom período à espera de uma notícia trágica de prisão e dissolução da banda por sua causa. Em sua biografia ele afirmou que essa foi uma das principais razões para tornar Some Girls tão visceral, com tanto fôlego, com a urgência de fazer rápido e pra sempre.

Esse disco é especial por vários motivos, mas o principal deles é que ele é capaz de traduzir a banda por inteira: rock’n’roll na veia, puro e simplesmente. O disco inteiro é focado na banda e a sonoridade se restringe e gira em volta dos cinco caras, agora, pela primeira vez, Ron Wood é membro. Essa é a sonoridade que marcará para sempre os Stones, bateria na cara, voz entre os instrumentos e guitarras misturadas.




Keith Richards tributa boa parte da mágica desse disco ao pedal de guitarra Carbon Copy, da MXR, que ele usou praticamente em todas as faixas. O famoso Phaser 90, da MXR, também foi utilizado bastante no disco. De acordo com Richards, todo o material do disco foi composto nos estúdios Pathé Marconi, em um subúrbio de Paris e grande parte da sonoridade se deve ao engenheiro Chris Kimsey, que trabalhou com eles pela primeira vez nesse disco e em mais oito discos.

Some Girls foi sucesso de venda e crítica, também gerando várias polêmicas, bem ao estilo de vida dos Stones. A capa original trazia fotos de mulheres famosas que não gostaram nem um pouco de ter suas imagens atreladas a uma letra, no mínimo, sarcástica sobre os valores, intenções e comportamentos das mulheres, na visão de Mick Jagger. No vinil a capa era bem engenhosa, era vazada e o encarte formava várias possibilidades de visualização.

“Miss you” abre o disco de forma fenomenal, simpática, dançante e eterna. Com uma certa influência disco e ligeiramente rap. É possível perceber a guitarra de Keith envenenada com o pedal Carbon Copy. Essa faixa é histórica, é clássica e despojadamente anos setenta até o osso. “When the whip comes down” tem uma letra que aborda a história parcial de uma bicha, que vive esse conflito da aceitação, muda de cidade e passa a coletar lixo. Fortemente influenciada pela sonoridade e discurso punk. É rock puro. Paulada.




“Just my imagination (running away whit me)” é mais um cover do The Temptations, com arranjo bem diferente da versão original. Continua sendo uma balada, mas bem mais acelerada. “Some girls”, a faixa título, é um dos maiores clássicos dos Stones, com letra verdadeiramente punk. Essa é mais uma das baladas, no entanto, nada romântica. É imperdivelmente canastrona, de um cinismo extremamente sofisticado. Segue a linha de Under may Thumb e Brown Sugar.

“Lies” é rock’n’roll puro: guitarras no talo, com solos bem anos 50. Essa é pra dançar, se espernear e perturbar toda a vizinhança, no volume máximo. “Far away eyes” é a faixa de abertura do lado dois no vinil. É um country, é uma faixa estradeira, em que Jagger brinca com o sotaque do sul dos Estados Unidos. “Respectable” é outro rock’n’roll pra ser ouvido fritando o amplificador, do caralho. “Before they make me run”, essa é uma canção autobiográfica de Richards e trata, entre outras coisas, da sua prisão em Toronto e da morte do seu amigo Graham Parsons, por overdose.

“Beast of burden” é uma das lendárias baladas dos Stones. Pode ser mais uma canção de amor ou pode ser um desabafo de Keith Richards em relação ao seu tempo de entrega ao trabalho, depois de largar as drogas, pela milésima vez. “Shatered” é outro super clássico dos Stones, verdadeira relíquia do rock. Trata da vida em Nova York nos anos 70. A quem afirme ser uma música punk ou ser o embrião do rap. Seu discurso é afiado e a sonoridade é massa demais.



Some Girls

Algumas garotas me dão dinheiro, algumas meninas me compram roupas
Algumas garotas me dão jóias, que eu nunca pensei que seriam minhas
Algumas garotas me dão diamantes, algumas meninas, ataques cardíacos
Algumas garotas me dão pão a todos os meus, eu não quero voltar nunca

Algumas meninas me dão jóias, outras me compram roupas
Algumas meninas me dão filhos, eu nunca pedi por eles.
Então me dê todo seu dinheiro, me dê todo o seu ouro
Vou-lhe comprar uma casa em Baker Street, e dar-lhe metade do que eu tenho

Algumas garotas pegam o meu dinheiro, algumas meninas tomam minhas roupas
Algumas garotas pegam minha camisa pelas costas, e deixar-me com uma dose letal
Garotas francesas querem Cartier, garotas italianas querem carros
garotas americanas querem tudo no mundo que você pode imaginar
garotas inglesas são tão frescas, não posso falar ao telefone
Às vezes eu tiro o receptor fora do gancho, eu não quero que elas me liguem pra tudo

Garotas brancas são bem engraçadas, às vezes elas me levam á loucura
garotas negras só querem foder a noite toda, eu só não tenho muitas horas
garotas chinesas são tão gentis, elas são realmente provocantes
Você nunca sabe bem o que elas estão escondendo dentro dessas sedosas mangas
Dá-me todo o dinheiro, me dê todo o seu ouro
Vou-lhe comprar uma casa em Baker Street, e dar-lhe metade do que eu tenho

Algumas meninas são tão puras, algumas meninas tão corruptas
Algumas meninas me dão filhos, eu só fiz amor com ela uma vez!
Me dê seu dinheiro, me dê metade do seu carro
Me dê metade de tudo, eu vou fazer você a maior do mundo
Então me dê todo seu dinheiro, me dê todo o seu ouro
Vamos voltar para a praia de Zuma, vou dar-lhe metade de tudo o que eu tenho





A BIGGER BANG


Até agora esse é o último disco de estúdio dos Rolling Stones, lançado oito anos depois da então última obra, “Bridges to Babylon”. No meu entender esse é o maior disco da história dos Stones. É como se eles fizessem uma espécie de balanço dos melhores aspectos musicais que nortearam a banda em 50 anos de existência. O que mais funcionou nos Stones está nesse disco. Uma verdadeira obra prima.

Como sempre, as gravações foram cercadas de ciscunstâncias especiais: Charlie Watts lutando contra um câncer, Ron Wood abalado com o suicídio da sua ex-mulher, e Jagger e Richards já sem quase nenhuma amizade para celebrar. O disco foi gravado na França, com o auxílio de Don Was na produção e praticamente só os músicos da banda, dessa vez com a participação de Darryl Jones no baixo.

Em vinil o disco saiu como sendo duplo e capa bem mais destacada, mesmo assim está entre as piores já lançadas pela banda. Em cd é impossível ler qualquer informação sem que você precise de uma lupa. Esse é o único defeito do disco. O resto é material de alta qualidade, provando que a banda ficou mais experiente, nunca envelhecida. Rock, blues e apelo pop, os ingredientes de sempre, em doses concentradas, e mais as baladas.



No final de 1984, depois de ter ido para a balada com Keith Richards, uma espécie de reconciliação, Mick Jagger, da casa de Keith Richards, ligou para a casa de Charlie Watts, cinco horas da manhã, perguntando: “cadê o meu baterista”? Isso lhe rendeu um tremendo soco na cara, poucos minutos depois, seguido da ameaça e recomendação de nunca mais o chamar dessa forma outra vez. A dupla Jagger e Richards, durante as gravações de “Dirty Work”, chegaram quase às vias de fato.

As coisas nunca melhoraram depois disso e a banda passou por períodos conturbados, como a saída de Billy Wymam. Por muitas vezes Jagger foi tratado como traidor e trapaceiro, por Richards, além de ser acusado de ser antipático e tratar os funcionários da equipe com prepotência e até mesmo desprezo. O clima das gravações de “A bigger bang” não foi tão massacrante, mas foi carregado com todas essas marcas e mágoas mútuas, um pouco amaneiradas pelo estado de saúde de Charlie.

Keith Richards faz pouquíssimas menções a esse período em sua biografia. E quando o faz, também faz questão de esclarecer a intranqüilidade do relacionamento com Jagger. Sobre o disco ele declara que Jagger mais uma vez estava enganado sobre as questões técnicas, tal qual acontecera com as gravações de “Exile on main st.”. vale ressaltar que “A bigger bang” foi gravado numa espécie de chácara de Mick Jagger.




Eis os termos: “Já estávamos com tudo preparado quando ele disse ‘Agora vamos levar tudo para um estúdio de gravação de verdade’; Don Was e eu olhamos um para o outro e Charlie olhou pra mim...Foda-se essa merda. Nós já estamos com tudo pronto por aqui. Por que você quer chutar o balde? Para dizer que foi gravado num estúdio assim-assim, com parede de vidro e sala de controle? Não vamos a lugar nenhum, companheiro. E finalmente ele cedeu.”

Independente disso o disco é simplesmente matador, faixa a faixa. Não tem uma que seja descartável. Todas têm a marca indelével dos Stones, com o mais rigoroso controle de qualidade possível. Esse disco é muito parecido com o clima de “Some girls” e com a mesma pegada. A excepcional levada de Charlie Watts na frente, seguida das guitarras de Richards e Wood, os dois em grande forma.

Além de todo o sucesso de venda e crítica, o disco ainda rendeu aos Stones a marca impressionante de mais de um milhão de público em um show, aqui, no Rio de Janeiro. Cercados de alta tecnologia, inclusive com direito a uma ponte ligando o hotel ao palco, eles detonaram o mais puro rock’n’roll. Foi um show memorável, transmitido pela televisão e aberto ao maior público de um show de rock.

Há boatos que eles irão se reunir para comemorar os 50 anos de existência da banda e que estão preparando mais um disco. Veja alguns fragmentos de notas que saíram na imprensa, tratando sobre o assunto:





- Os Rolling Stones estão juntos novamente para celebrar os 50 anos de formação da banda, mas a eventual turnê com a qual comemorariam este aniversário aparentemente não acontecerá até 2013, segundo declarou o guitarrista Keith Richards. Em entrevista concedida à revista americana "Rolling Stone", o guitarrista afirmou que a razão do atraso é porque eles "simplesmente não estão prontos". "Tenho a sensação que 2013 é uma data mais realista", acrescentou o músico, de 68 anos de idade, cujo delicado estado de saúde é mencionado por outras fontes citadas pela publicação como a razão principal deste reajuste no calendário.

- O número 165 de Oxford Street em Londres, local do clube do início da carreira, está bem diferente, mas os Rolling Stones continuam apaixonando multidões, 50 anos depois do primeiro show e de uma trajetória revolucionária no mundo do rock & roll.Uma agência bancária está no local da grande avenida comercial londrina que era ocupado pelo Marquee Club, onde em 12 de julho de 1962 um novo grupo formado por Brian Jones, Mick Jagger, Keith Richards e outros três músicos deu seus primeiros passos em um palco.
Jagger e Richards, amigos de infância, tinham então 19 anos, e Brian Jones, que morreu tragicamente afogado em uma piscina em 1969, 20.


- A imagem da língua foi usada pela primeira vez no encarte do disco Sticky Fingers, de 1971, e foi criada por John Pasche, um estudante de artes da Royal College of Art, em Londres. Pasche recebeu um pedido de Jagger em 1969, já que o vocalista estava descontente com os designs oferecidos pelo selo dos Stones, Decca Records. “O conceito de design da língua era representar a atitude antiautoritarismo da banda, a boca de Mick e as óbvias conotações sexuais”, Pasche disse anos depois. “Eu fiz o design de modo que fosse facilmente reproduzido e em um estilo que imaginei ser capaz de resistir ao teste do tempo.”

terça-feira, 10 de julho de 2012

LUTO

09/07/2012 - 12h33


Morre aos 66 anos José Roberto Bertrami, tecladista do Azymuth

DE SÃO PAULO

O músico José Roberto Bertrami, do Azymuth, morreu neste domingo (8), aos 66 anos, após semanas internado em um hospital. A notícia foi publicada na página da banda no Facebook.

"Luto. É com muita tristeza em nossos corações que anunciamos o falecimento do nosso irmão de som José Roberto Bertrami (21/02/1946 - 08/07/2012), após um período de luta", diz a mensagem publicada por Alex Malheiros e Ivan Conti Mamão.

"Tudo começou numa Linha do Horizonte, outros tantos horizontes alcançamos, bastava apenas um olhar e sabíamos onde alcançar o voo de nossos sucessos pelo mundo. Quantos sons, alegrias e obstáculos... Chegou a um ponto que nada nos separava. E de maneira nenhuma a sua maestria e amizade vais nos deixar... Foram 45 anos juntos... Eu e Alex, os seus eternos companheiros do Azymuth. Vá em paz, vá com Deus!", desabafa Mamão em outra homenagem no Facebook.

Ed Motta também lamentou a morte de Bertrami na rede social, lembrando que ouviu o Azymuth pela primeira vez quando tinha dez anos de idade. "Bertrami foi um embaixador da cultura brasileira sem ser brasilianista, careta, regional. Sempre fez música super brasileira mas através de teclados elétricos, sintetizadores analógicos. (...) Bertrami manjava do comping de jazz aliado aos grooves, as levadas brasileiras", exalta o músico. "Fico mega triste também porque estava para convidar o Bertrami para tocar no meu novo disco, isso já estava no papel desde o começo..."




O baterista Mamão, o tecladista José Roberto Bertrami (centro) e o baixista Alex Malheiros, do trio Azymuth

José Roberto Bertrami (teclado), Alex Malheiros (baixo) e Ivan Conti Mamão (bateria) começaram a carreira tocando no Canecão, no Rio, no início dos anos 70. Na época, o trio formou o Grupo Seleção, e se apresentava em diversas casas noturnas cariocas.

Da trilha sonora composta para o filme "O Fabuloso Fittipaldi" (1973), o trio tirou o nome Azymuth. Dois anos depois, colocou nas ruas seu primeiro disco de sucesso, "Linha do Horizonte.

No ano em que lançou "Águia Não Come Mosca", 1977, o Azymuth foi convidado para o Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, e tornou-se o primeiro grupo brasileiro a participar do prestigiado evento.

No ano seguinte o trio fez uma turnê pelos EUA e, em 1979, gravou seu primeiro álbum internacional, "Light as a Feather", pela Milestone Records.

A música "Jazz Carnival" foi responsável pelo sucesso da banda lá fora --ela manteve o disco no topo das paradas britânicas por um ano e, com isso, fez o Azymuth entrar para o livro Guinness dos Recordes.

Em 1995, o Azymuth assinou com a Far Out Recordings, pela qual lançou cerca de dez discos, incluindo o trabalho mais recente, "Aurora", de 2011.

Em seu site oficial, a gravadora publicou uma nota sobre a morte do músico: "Ze Bertrami ficou conhecido por criar o fascinante 'samba doido', uma mistura de samba, jazz, funk e rock com um contagiante suingue que teve uma grande influência na música brasileira por meio de seus projetos solo e colaborações", diz o comunicado. "Joe Davis e Far Out Recordings perderam um de seus amigos mais queridos e o músico mais talentoso que lapidou a sonoridade do selo e a música brasileira por cinco décadas. Sentiremos muito a falta dele."

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1117383-morre-aos-66-anos-jose-roberto-bertrami-tecladista-do-azymuth.shtml

segunda-feira, 9 de julho de 2012

VELA ABERTA - WALTER FRANCO

Walter Franco-Canalha(ao vivo Festival da TV Tupi,1979)ver1 (only audio)



OBSCUROS


VELA ABERTA – Walter Franco

Ouvir Walter Franco cantando “Vela Aberta” faz bem para o espírito, renova a esperança, promove uma doce revolução na espera por algo que complemente a existência. Ele convida: tire os pés do chão / vamos passear / longe da razão / sem pressa pra voltar. A vertigem é a sensação essencial da vida. Se perder e se achar é apenas uma questão de ousadia, reservada só para os especiais, para os especialistas em cumplicidades especializadas.

Por muito tempo Walter Franco foi chamado de maldito. Sobre seus ombros foi jogada a capa de vanguardista. Sua música foi tachada de difícil. Assim, por muito tempo Walter Franco é escutado por poucos. Sua discografia não é grande, mas a sua reputação é enorme entre aqueles que buscam qualidade e honestidade no universo musical brasileiro, repleto de almas sebosas, de oportunistas, de farsantes, de estercos flutuantes.


De fato você encontra traços do minimalismo, da psicodelia, da poesia concreta, do ludismo, da sabedoria perene, do haicai, da contracultura, do non sense, do rock, do pop, da MPB, do experimentalismo linguístico e do tratamento de mixagens em sua arte. Mas esse é o grau natural de informação de uma pessoa culta, plausivelmente urbana, ativa e receptiva do seu tempo. É justamente esse aspecto que fundamenta a diferença entre arte e artemanha. Já dizia o filósofo Raul: falta cultura pra se cuspir na estrutura.

“Vela Aberta” é o quarto disco de Walter Franco, se não for computado o compacto simples “Tema do hospital”. A canção "No Fundo do Poço" foi tema da novela "O Hospital" da Rede Tupi no ano de 1971. A outra música é “Tire os pés do chão”. Com uma discografia pequena, apenas na quantidade, Walter Franco protagonizou algumas cenas bizarras da música popular brasileira, antes de chegar ao seu quarto disco. A vaia recebida por ele, ao defender a música “Cabeça”, em 1972, no Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, é um desses casos.

Quando o júri formado por Nara Leão, Roberto Freire, Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Décio Pignatari, deu o primeiro lugar para Walter Franco, a casa veio a baixo, a música tinha sido intensamente vaiada, o público não entendeu absolutamente nada, e nem a Rede Globo assumiria esse pacote, uma vez estando ela compromissada com a mediocridade. Resultado o júri foi deposto e como consequência, Roberto Freire e a banda Pholhas, denunciaram a armação, que sempre aconteceu nesses famosos festivais da mídia brasileira. Ele foi preso e ficou por isso mesmo.

“Vela Aberta” segue a trilha aberta por “Respire Fundo”, disco anterior, de 1978, com a mesma sonoridade, grandes músicos, produção apurada e leveza discursiva, e também lançado pela Epic. O repertório traz algumas releituras: “Me deixe mudo”, lançada no famoso disco “da mosca”, mais conhecido como “Ou não”, de 1973; “Feito gente”, lançada no disco “Revolver”, de 1975; e mais “Tire os pés do chão”, lançada no compacto simples “Tema do hospital”, de 1971.


A música “Canalha” rendeu mais uma controvérsia a Walter Franco, quando da sua apresentação no “Festival da TV Tupi”, em 1979, com discurso inflamado de Ziraldo, o então apresentador. Eram os anos de chumbo da ditadura militar. Walter Franco alegava que canalha era apenas a dor de existir. Acontece que devido ao momento histórico não tem como desvencilhar a música das imagens de tortura, extermínio e canalhice dos militares no poder. O arranjo de “Canalha” é pesado, agressivo e áspero, como condiz a letra.

“Vela Aberta”, faixa de abertura, é singela, mística e de uma leveza singular. Essa é uma das mais inspiradas músicas brasileiras. Sérgio Hinds, do “Terço”, cria um clima etéreo com a sua guitarra chorada, expressiva. Viagem certa. É pra ser escutada na criação de momentos de paz. “O dia do Criador” segue na caminhada mística. É uma espécie de reggae suingado, através do qual Walter Franco propaga suas convicções espirituais.


“Canalha” é a terceira faixa do disco, com peso na medida certa, combinando com um arranjo de cordas certeiro, contrastando com as viradas viscerais de bateria e voz rasgada de Walter Franco. Rara e abismática. “Corpo Luminoso” é outro suingue magistral, em cima de um poema minimalista. “Divindade” recebe nova roupagem, como também “Tire os pés do chão”, ambas mantêm a linha mística.

“Como tem passado” é uma espécie de charleston misturado com fox, e tem ludismo e non sense, com arranjo de metais na frente. Excelente arranjo. “Feito Gente” também recebe nova roupagem, bem diferente da original, com direito a arranjo de cordas e de metais proeminentes, bem ao estilo difundido nos anos 80, com influências diretas do Earth Wind and Fire. “Me deixe Mudo” recebeu a roupagem influenciada pelo reggae, na tradução devida da “Cor do Som” e de “Pepeu Gomes”, ficou massa, simpática e mais próxima do público.

“Bicho de Pelúcia” é uma parceria com Sérgio Pinto de Almeida, introspectiva e irônica, com arranjos de cordas, mais próxima dos experimentalismos anteriores do autor. “O blues é azul” é uma espécie de r&b, bem humorado e lúdico, pra terminar o disco de forma descontraída, também com arranjo de metais, deixando espaço na frente para os vocais femininos.



Os malucos zen:

Arranjos: Eduardo Assad

Eduardo Assad - teclados
Luiz Guilherme Rabello – bateria
Pedro Ivo Lunardi - baixo elétrico
Bira da Silva - percussão
Elias Almeida - guitarra
Luiz Guilherme Rabello - percussão
Sérgio Hinds - guitarra
Alwin E. J. Oelsner - viola de arco
Caetano Domingos Finelli - violino
Clemente Capella - violino
Elias Almeida - viola, violão
Elias Slon - violinoFlávio
Antônio Russo - violoncelo
German Wajnrot - violino
Joel Tavares - violino
Jorge Salim Filho - violino
Loriano Rabarchi - violino
Luiz Alfonsi - violino
Perez Dworecki - viola de Arco
Shinji Ueda - violoncelo
Settimo Paioletti - trompete
Severino Gomes da Silva - trombone
Arlindo Bonadio - trombone
Geraldo Auriani (Felpudo) – trompete



Discografia

Tema do Hospital – compacto simples (1971)
Ou Não (1973)
Revolver (1975)
Respire Fundo (1978)
Vela Aberta (1979)
Walter Franco (1982)
Tutano (2001)

Acompanhe Walter Franco no Twitter

Walter Franco @walterfranco Aqui quem fala é meu Walter Ego. São Paulo, Brazil

sábado, 7 de julho de 2012



OBSCUROS


CHUNGA’S REVENGE – Frank Zappa

Esse é um disco de transição do maior gênio louco da história do rock. Esse disco inicia a vertente dos anos setenta na carreira de Zappa. Dá uma espécie de parada no discurso político-satírico e aborda temas como sexo e experiências diversas na vida de uma banda na estrada. O sexo sempre foi um tema controverso na carreira desse pirado. Mas não é só isso que tem esse disco não.

A crítica nunca entendeu direito a figura multicriativa de Zappa. Muitos ignoram suas experiências e outros esperam sempre genialidades mirabolantes em seus discos, e poucos conseguem acompanhar as ideias desse pai da mãe das invenções. “Chunga’s Revenge”, por exemplo, é uma mistura de rock; jazz; blues; música de vanguarda; pop; doo wop; boogie; e ironias diversas. Mas não é nada disso individualmente ou integralmente.

A crítica não recebeu bem esse disco. Boa parte dos incapacitados alegou que faltava unidade. Outra parte afirmou que era pop demais, que a banda era sem liga e que Zappa tava mais interessado em ganhar dinheiro. O fato é que Zappa produzia muito e gravava tudo que criava, em estúdio e ao vivo, com músicos diversos. Quem é zappeiro de verdade identifica todas as suas fases e todas as suas facetas. Nesse sentido esse disco tem algumas peculiaridades.


A estética de vanguarda e instrumental vem do período de “Hot Rats”; “Lumpy Grave”; “Burnt Weeny Sandwich” e “Uncle Meat”, gravados anteriormente, em 68, 69 e 70. A parte blues, roqueira e maníaca por sexo, estava em processo, com “Chunga’s Revenge”, lançado em 70, e “200 Motels”, lançado em 71. As formações variam de acordo com essas fases. O que não varia de forma nenhuma é a qualidade musical e a ousadia em experimentar. “Chunga’s Revenge” também marca a estréia nos vocais de Mark Volman e Howard Kaylan, os famosos Flo e Eddie, ex-integrantes da banda “Turtles”, banda pop psicodélica americana, que emplacou vários sucessos, entre eles o hit “happy together”.

"Transylvania Boogie" começa o disco com a presença de uma guitarra com timbre marcado pelo excêntrico uso do wah, assim começa a intensa aula de timbres de Zappa nesse disco. Uma viagem pelo mundo freak. Logo em seguida vem a irônica "Road Ladies" , com Flo e Eddie nos vocais e solos de guitarra na cara, mais uma vez o wah timbra inusitadamente a guitarra de Zappa. "Twenty Small Cigars" é uma incursão pelo jazz bizarro apresentado em “Hot Rats”, clima introspectivo e enigmático. O timbre de Zappa nessa faixa é qualquer coisa absurdamente diferente. Não é uma faixa para qualquer um.


"The Nancy & Mary Music" é intensamente experimental, com uma improvisação de percussão exótica e mais viagens de wah na guitarra, essa faixa foi gravada ao vivo em Minneapolis, no teatro Tyrone Guthrie, imagine o resto desse show como foi loucura. "Tell Me You Love Me" e "Would You Go All the Way?", em seguida, formam, para os padrões zappistas, uma parte do material pop do disco e apresentam arranjos divertidos e complexos ao mesmo tempo, se o mundo pop fosse assim seria bom demais. Escute a guitarra nessas duas músicas e perceba as linhas de vocais e você vai entender o que é pop para esse pinel.

"Chunga's Revenge", a faixa titula é digna da excentricidade musical, típica de Frank Zappa, com direito a wah no sax Ian Underwood, imperdível. "The Clap" é mais um experimento estranho de percussão. O disco fecha com mais dois pops descabelados: "Rudy Wants to Buy Yez a Drink" e "Sharleena", dois arranjos desmiolados, irônicos, satíricos, com linhas de vocais completamente debochados. A última faixa é simplesmente uma pérola do repertório zappiano, um verdadeiro clássico, demais, demais.

A relação dos doidos:

• Frank Zappa – guitar, harpsichord, percussions, drums, vocals
• Max Bennett – bass
• George Duke – organ, trombone, electric piano, sound effects, vocals
• Aynsley Dunbar – drums, tambourine
• John Guerin – drums (only on Twenty Small Cigars)
• Don "Sugarcane" Harris – electric violin, organ
• Howard Kaylan – vocals
• Mark Volman – vocals
• Jeff Simmons – bass, vocals
• Ian Underwood – organ, guitar, piano, rhythm guitar, electric piano, alto saxophone, tenor saxophone, pipe organ







terça-feira, 3 de julho de 2012

Stone Gossard - Fits (Bayleaf, 2001)




PRA LIGAR

BAYLEAF – Stone Gossard


Projeto paralelo. Disco alternativo. Produção independente. Seja lá qual for o rótulo dado a esse cd, é completamente desnecessário, ao mesmo tempo em que inoportuno. Esse é um trabalho criativo, na mais plena aplicação do termo. Além do talento e da veia roqueira, existe nesse álbum a antena do tempo, da atualidade, dos caminhos herdados, dos desdobramentos do rock.

Não importa o ano de lançamento e nem a origem de Stone Gossard, mesmo se ele não tivesse entrado na pleura do rock através dos ares pesados do Pearl Jam, como membro fundador, ainda assim ele teria o seu lugar reservado no bólido da resistência cultural que levará os últimos resquícios da arte para os confins do universo. Onde tudo é mercado, onde tudo é grife e quase nada é blefe, “Bayleaf” é um verdadeiro condimento para transformar os dias amargos.

Esse disco levou quase cinco anos para ficar pronto e foi lançado em 11 de setembro de 2001. Uma das suas características é a maturidade. A maturação é um fenômeno em extinção em tempos de fragmentação e descontinuidade. Por isso muitos não especificarão de imediato, e nem especificaram, o valor dessa obra. Não existe nada de fenomenal em “Bayleaf”, e esse é o seu maior segredo. É música simples, direta e honesta, com produção impecável, de quem sabe o que faz na captura dos sons.

Escute a balada “Anchors” e você compreenderá de imediato o que estou escrevendo. Essa é uma daquelas faixas feitas para você ouvir no fone de ouvido, debruçado na janela do vigésimo andar, olhando a cidade lá embaixo anoitecer sob um manto fino de garoa. Você embarcará numa cama de texturas de órgão hammond c-3, piano e violão acústico, e viajará em busca do destino dos carros, e sentirá dificuldades para voltar para o mesmo lugar.

A etérea “Fits” será responsável por divagações, por digressões e oscilações leves do espírito. Essa faixa parece um mantra saído do ano 200, antes de Cristo. Quando você menos esperar os seus pés já saíram do chão. Uma guitarra com envelope filter dará um clima especial a esse momento. Uma outra guitarra distorcida e absurdamente bem timbrada, será a sua âncora em ecos. Aproveite e visite aqueles lugares obscuros da sua mente e limpe o quarto, abra as janelas e dê uma arejada na varanda.

“Bore Me” é a primeira faixa do disco. Ela contém o DNA da pegada das outras músicas. Tem texturas leves e guitarras distorcidas. E como em todo o disco, com uma timbragem eficiente em demasia, eis o extremo bom gosto do guitarrista. Nessa faixa você é apresentado ao vocalista Stone Gossard, que despretensiosamente toma a cena e proporciona momentos convincentes de pura leveza.



Em “Pigeon” você vai ouvir uma guitarra timbrada com fuzz que o carregará para territórios mais pesados. Nessa faixa Stone Gossard faz um solo muito bem colocado, sem aquela ansiedade de fritar, que é típica dos guitarristas que lançam trabalhos solos. Essa é uma faixa mais densa, com pegada mais forte. No entanto, as texturas e o toque de leveza não desaparecem.

A faixa que dá título ao disco tem o espírito de Neil Young perambulando pelas esquinas. Guitarras distorcidas e aquela pegada quase épica, intensa, com baixo e bateria, tocados por Stone Gossard, seguindo a linha característica do Crazy Horse. Stone Gossard usa na faixa, com economia e funcionalidade, um wah wah e um rotovibe, provando a sua especialidade em criar camadas sonoras.

As outras faixas você vai descobrir as especiarias e o tempero ouvindo inteiramente esse disco sensacional. Stone Gossard tocou guitarras, violões, piano, baixo, bateria e percussões, além dos vocais. Ele contou com a ajuda dos pirados: Pete Droge – background vocals, 12-string guitar, Prophet 5, slide guitar, clavinet, mellotron, guitar, bass guitar, keyboards, acoustic guitar, production; Mike Stone – drums; Ron Weinstein – piano, Hammond C3; Ty Willman – lead vocals on "Cadillac", "Unhand Me", and "Fend It Off", background vocals, entre outros.



sábado, 30 de junho de 2012



HISTÓRICOS

SCHOOL DAYS – Stanley Clark


Corriam os anos setenta e eu era feliz e sabia. Em 1976, com 14 anos de idade eu tive o privilégio de comprar o Lp “School Days”, de Stanley Clark, era um dos primeiros de jazz/fusion que eu comprava. Já era um fã incondicional dessa vertente alucinada da música universal. A magia começava com a abertura do disco. Os Lps importados, a maioria deles, vinham com um plástico transparente lacrando a obra. O cheiro de novo dessas embalagens ainda habita as minhas narinas, depois de tudo.

Quem nunca escutou esse disco não sabe realmente o que um verdadeiro baixista é capaz de fazer, tocando e compondo. Na época, a crítica de jazz torcia o nariz, a de rock não sabia o que diabo era aquilo, acostumada com o quatro por quatro, e eu, por minha vez, e pela liberdade das minhas descobertas, dava um perdido em todos eles. O cenário era repleto de contradições: rock brega; rock de arena; rock progressivo; punk; disco; pop brega; música de protesto; MPB real; free jazz; muzak; e mais e mais. No meio disso tudo uma galera quebrava tudo, com improvisos acachapantes e talento musical em turbilhão.

“School Days” é um disco daqueles que entra para a história pela porta da frente. Não por ter vendido milhões, por ter sido recomendado pela imprensa, ou por fazer parte daquelas famosas e babacas listas de sucessos. “School Days” é pegada, é inspiração: um pé no rock e outro no jazz, solamente solos. Como um disco de rock, é para ser escutado no talo, fritando. Como um disco de jazz, é para ser escutado com o coração e a percepção. A base é baixo, bateria, guitarra e teclados, sendo que o grande lance não é a instrumentação, mas sim os instrumentistas.

Stanley Clarke lidera David Sancious, nos teclados; Raymond Gomez, na guitarra; e Gerry Brown, na bateria; na maioria das faixas. Além das participações especiais de John McLaughlin, George Duke, Billy Cobham, Steve Gadd, Ícaro Johnson e Milt Holland. Boa parte do disco foi gravada no lendário Electric Lady Studios. O clima é o mais fusion possível, inclusive com uma pegada meio samba em “The Dancer”, terceira faixa do disco. As cordas aparecem em várias faixas, como também o baixo com arco.




“School Days” é a primeira faixa. O riff rockeiro dessa música é um dos mais conhecidos do jazz/fusion, bem como a melodia é assoviável na primeira audição. Essa é uma das maiores obras do gênero. Abre com um solo lisérgico de guitarra, depois entra numa introspecção progressiva em que Stanley Clarke mostra suas cartas, seu humor e sua capacidade de improviso em um solo carregado de timbre agudo de baixo, o famoso Alembic Bass, na frente de tudo, com slaps e bands de causarem vertigens e viagens diversas.

“Quiet Afternoon”, como o nome sugere, é introspectiva, com Staley Clarke explorando as possibilidades de um “Piccolo bass”. Essa faixa tem a participação de Steve Gadd, um dos bateristas mais aloprados dessa praia fusion. O diálogo entre o mini-moog de David Sancious e o baixo de Satanley Clarke é inebriante, você fica com aquela sensação de que a coisa vai decolar, vai para alturas, e no entanto, eles permanecem naquela vibração maneira, siderando sensações.

“The Dancer” é suingada demais. Não tem como deixar de balançar o cabeção. A participação de Milt Holland na percussão deixa uma pegada latina, ressaltando o samba. As cordas aparecem em um arranjo simples, econômico e funcional. O solo de Piccolo bass é muito legal, bem como a guitarra com wah de Raymond Gomez. A levada de bateria de Gerry Brown tem muito suingue.

“Desert Song” tem a participação do feiticeiro das cordas, John McLaughlin, tocando violão de aço. Nessa música Stanley Clarke mostra a sua origem de violinista e violoncelista, tocando um baixo acústico com arco, para depois chutar o pau da barraca com um solo no baixão guarda roupa falado. Essa é uma daquelas faixas obscuras de qualquer obra fenomenal, pois são essas faixas que mais revelam os talentos. Imperdível. Imperdível. O solo de McLaughlin dispensa comentários.

“Hot Fun” é rapidinha, a menor faixa do disco, mas é de uma intensidade que extrapola qualquer expectativa. Tem arranjo genial de cordas, instigado, longe do romantismo, com direito a um arranjo de metais lisérgico. Outra melodia assoviáve4l de imediato, com passagens progressivas e um groove de baixo que não é para qualquer Zé Ruela não.

“Life is Just a Game” fecha o disco com elegância e apogeu. Toda a influência do Return to Forever, como também de Chick Corea, são exibidas aqui com muito peso, orquestração, groove e improvisos inspirados. Convenções em alta velocidade, que lembram Al Di Meola, e pegadas a la Spanish Heart, de Chick Corea, também lançado em 1976, e que tem a participação de Stanley Clarke, deixam o final do disco com ar de virtuosismo, sem ser masturbação musical.. O trio Stanley Clarke, Billy Cobham e George Duke pegam de com força. Muito menos o solo de guitarra de Ícaro Johnson é careta não.

Não peça emprestado, não baixe. Compre, que é melhor.

Stanley Clark e George Duke "schooldays"

terça-feira, 26 de junho de 2012




... E A GENTE SONHANDO – Milton Nascimento



Classe! Essa é a primeira ideia que passa na cabeça ao se ouvir esse disco de Milton Nascimento. Disco em grupo. Generosidade em demasia. Mas só os grandes são generosos. Milton garimpou em Minas e achou pedrarias raras. Eis que a música popular brasileira não se enterra jamais. Toda essa geração envelheceu, mas nela recrudesceu a magia, a curiosidade eterna da vertigem.

Esse é um disco terno, poético, de maior idade, alheio ao sucesso efêmero das celebridades imbecis do youtube e dos downlouds macaqueados em modismos. Nesse projeto ninguém precisa tocar ruim que trinca pra ser Cult. Quem canta nele não desafina pra depurar a alma, nem a melancolia é um produto bacaninha, bem embalado, bem alternativamente piegas, bem absurdamente caricatural.

De acordo com depoimento do próprio cantor e compositor, ele redescobriu sua cidade, a Três Pontas musical, através de uma menção em uma edição especial da revista Billboard especialista em música de alta qualidade. Lá encontrou artistas como Bruno Cabral, dono de uma voz impressionante; Ismael Tiso Jr., cantor, compositor e instrumentista; e Paulo Francisco, outro grande cantor.

Além dessa rapaziada, Milton Nascimento conta com a participação mais do especial de Wagner Tiso e de outras feras como: Marco Elizeo, guitarrista, arranjador e co-produtor do disco, juntamente com Milton; Lincoln Chieb, bateria; e Cláudio Ribeiro, baixo. O disco conta com composições dessa nova geração, do próprio Milton, inclusive uma inédita da década de 60, que dá título ao disco, e mais João Bosco, Vitor Ramil, Tunai, Cristovão Bastos, Lulu Santos, entre outros.

Existe um certo clima de Clube da Esquina, com seus arranjos acústicos, vocais e corais intensos, como também mútuas colaborações. A produção evidencia a naturalidade e os timbres puros, cristalinos. É um disco de maturidade, mas não é careta. Se você está procurando experimentalismos ou paródias de brega, facilmente encontráveis nas mais autênticas bodegas do oportunismo alternativo, passe longe desse cd. Esse disco é feito de água pura, sem ser encanada, sem cloro, sem clarificante.

São várias as poesias especiais desse disco, que o torna excelente para ouvir e pensar. Leia e escute: “Flor de Ingazeira”, de Francisco Bosco; “O Ateneu”, de Fernando Brant; “Estrela, Estrela”, de Vitor Ramil; e “Resposta ao Tempo”, de Aldir Blanc. No meio disso tudo uma interpretação inusitada para “Adivinha o quê?”, com arranjo diferente e o cantor Milton Nascimento exibindo sua grata herança dos bailes da vida.




Milton Nascimento excursionou pelo Brasil com o show “... E a gente sonhando”, dividindo o palco com inúmeros músicos e cantores, em grande espetáculo. Existe o plano de lançar o show gravado em dezembro, em Juiz de Fora, nos formatos cd, DVD e blu-ray. O show foi dirigido por Antônio Pillar e jamais passou aqui pelo Cariri, que vê a vida passar e passar, sem fazer nada para sair da inércia total.

Foi preciso Milton Nascimento nascer, crescer e se projetar além das fronteiras, para ser respeitado no mundo inteiro, reconhecido como gênio pelos mais geniais, para que a Billboard o descobrisse, para que ela se desdobrasse em guia, focando Três Pontas, para que Milton retornasse ao berço e dele, em talento, acalentasse sua mais renovada cria. Essa voz que não cala é a voz da paixão. Paixão pela arte.

sexta-feira, 15 de junho de 2012



HISTÓRICOS


Tim Maia - 1970

Tim Maia é uma das maiores figuras da música brasileira, em todos os sentidos. Dono de um vozeirão capaz de derrubar quarteirões e de frases bombásticas capazes de explodirem a hipocrisia imaculada de um turbilhão de canalhas do meio artístico. Tim Maia tinha um talento raro para criar melodias, baladas e balanços, deixando o seu talento registrado em discos primordiais para a formação do imaginário popular, achincalhando assim o purismo patético dos críticos e a incredulidade caricatural dos intelectuais. Sua saga foi sacramentada a partir do lançamento dessa obra genial, homônima: Tim Maia, em 1970.

Era o início de uma década de muitos ganhos para a cultura universal, mas que, ironicamente começa com várias perdas significativas, como as mortes de Joplin, Hendrix e o fim dos Beatles. No Brasil a ditadura estava de vento em popa na burlesca tarefa de exterminar a oposição política. Por outro lado a seleção de futebol era tri-campeã no México e a festa estava garantida por muito tempo. Depois de muita teimosia e sofrimento, eis que era chegada a vez de Tim Maia meter a mão na receita feliz do bolo musical brasileiro. Ele já tinha cometido a façanha de ser expulso dos Estados Unidos e ter liderado Roberto Carlos no grupo Sputiniks.

Tim Maia já havia gravado anteriormente: um compacto simples pela CBS, em 68, e outro pela Fermata, em 69 cantando em inglês e contendo a música “These are the songs”, regravada em 70 por Elis Regina e ele, no álbum “Em pleno verão”, lançado no início do ano. Tim Maia também já tinha experiência de estúdio como produtor, o que fez com que o seu Lp de estréia tenha sido registrado com uma sonoridade peculiar, com a bateria na frente, com pegada seca, sem compressão adicional. Tim assinou contrato por indicação dos Mutantes e de Erasmo Carlos, velho parceiro de baladas.



O disco teve a sustentação do grupo vocal “Os Diagonais”, que tinha como um dos integrantes o músico e compositor Cassiano, amigo particular de Tim Maia. O repertório e a produção foram encabeçados por Tim Maia. A música “Padre Cícero” já era conhecida do público antes do lançamento do disco, em junho de 1970. Ela era tema da novela “Irmãos Coragem”, da TV Globo. A crítica, mais uma vez, torceu o nariz, incapaz de reconhecer uma obra seminal, mas o público aplaudiu e consumiu em larga escala, deixando Tim Maia no topo da onda.

“Coroné Antônio Bento”; “Cristina”; “Padre Cícero”; “Eu amo você”; “Primavera”; e “Azul da cor do mar” são verdadeiras fundamentações da qualificação suprema da música brasileira. Não pela harmonia complicada e nem pelo virtuosismo instrumental, mas sim pela capacidade singular de dialogar com o simples, com o sentimental, com o abismo insondável da alma humana, como também pelo talento exuberante do cantor Tim Maia, versado na arte de encantar pela voz. O Brasil não tem nenhum cantor com o mesmo sentimento e a mesma técnica vocal de Tim Maia, a não ser Cauby Peixoto, outro fenômeno inexplicável.

Baladas e fusões do soul, do baião, do blues e do rock predominam no repertório do primeiro disco dessa figuraça. É impossível não viajar com a pegada soul de “Cristina” e “Azul da cor do Mar”. Tim Maia é irresistível. É música para sentir, pra dar umas pescoçadas, balançando o cabeção. Escute “Cristina” no volume máximo, no talo, fazendo os falantes espumarem e você vai sentir a magia desse mago da voz.

Tim Maia, além de tudo isso era um frasista nato. Algumas pérolas do universo Maia:

“O Brasil é o único Pais em que além de puta gozar, cafetão sentir ciúmes e traficante ser viciado, o pobre é de direita”

“Eu gosto de Rollings Stones, Stevie Wonder... Pra mim é o seguinte: primeiramente são os pretos cegos, depois os cegos, depois os pretos, depois os brancos”

Quando lhe perguntaram se não daria 1 milhão de dólares para transar com estrelas como Xuxa ou Vera Fischer, ele respondeu: “ Adoro todas elas, mas não pago mais que a tabela.”

“Não fumo, não bebo e não cheiro. Só minto um pouco.”

“Evite acidentes, faça tudo de propósito.”





terça-feira, 5 de junho de 2012






HISTÓRICOS


Samba Esquema Novo – Jorge Ben


Essa obra seminal da música brasileira foi lançada em 1963, um ano depois do meu nascimento e um ano antes do golpe militar brasileiro. Nesse mesmo ano a sociedade brasileira rejeitou o parlamentarismo em um plebiscito. O nefasto massacre da Usiminas, em Ipatinga, aconteceu também em 1963, com mais de 30 operários mortos e mais de 3 mil feridos, humilhados, aviltados e torturados, introduzindo assim as barbaridades maiores que viriam com a ditadura militar.

Jorge Ben lançava o seu primeiro disco, esse sim, verdadeiramente revolucionário. Não era fácil ser brasileiro nesse período, bem menos ainda ser artista brasileiro. Ser o autor de “Samba Esquema Novo” também não era qualquer um que encarava essa parada não, principalmente com as patrulhas ideológicas instaladas na imprensa brasileira, preconceituosa e arbitrária. O Brasil pertencia à bossa nova. A bossa nova pertencia à burguesia.

Mesmo com 100 mil cópias vendidas em poucos meses de lançamento, “Samba Esquema Novo” recebia críticas acirradas e patéticas, como sempre, a imprensa especializada não sabe de porra nenhuma. Nunca soube. Para eles Jorge Ben era um engodo: não sabia tocar violão, não sabia cantar, tinha harmonias pobres e escrevia letras babaquinhas. Jorge Ben apresentou outra batida, que João Gilberto desconhecia e que Chico Buarque jamais preferiria.

Vender mais de 100 mil cópias era simplesmente excepcional para os padrões da época. Jorge Ben não só fez isso como fez muito mais, tornou o samba mais negro ainda, com suas influências africanas, desde a religiosidade afro até o suingue mbira da Rodésia em seu balançado malandro. Foi em 1963, também, que Martin Luther King Jr. proferiu o seu famoso discurso em frente ao Memorial Lincoln durante a marcha pelo o emprego e pela liberdade. Jorge Ben estava antenado e utilizou o discurso da consciência negra em seu primeiro disco e em vários outros.

A banda que acompanhou Jorge Ben nesse disco de estreia, na maioria das músicas, era o Copa 5, formada por Meireles: Sax; Pedro Paulo: Trompete;Toninho: Piano; Dom Um Romão: Bateria; e Manuel Gusmão: Baixo. Vale ressaltar aqui a participação do legendário baterista Dom Um Romão, que fez carreira nos Estados Unidos, tocando com feras do jazz, inclusive participando do Weather Report, uma das mais importantes bandas do jazz fusion.

Outras curiosidades desse disco histórico ficam por conta da timbragem da bateria, da sonoridade dos metais e da colocação do violão de Jorge Maravilha. A linguagem analógica e valvulada supera, e muito, milhares de gravações feitas com aparelhagens de alta resolução. Além disso, o maestro Gaya resolveu não colocar o baixo em algumas faixas, por achar que a pegada de Jorge Ben já seria suficiente. Algumas faixas foram arranjadas Carlos Monteiro e algumas arranjadas e tocadas pelo Luiz Carlos Vinhas Trio.

“Mas que nada”, “Chove chuva”, “Por causa de você” e “Balança Pema” são pérolas não só desse disco primordial, mas sim da verdadeira música brasileira. Como todas as grandes músicas, essas não escaparam dos predadores cantores de barzinhos e nem da famigerada versão cretina de outros artistas. No entanto, escute esse disco, em seu estado original, de preferência o vinil, e você entenderá a importância dele.

domingo, 20 de maio de 2012

JAMES GANG - walk away


FITA CASSETE





Além de o vinil ser uma grande viagem, com aquelas capas alucinadas, que não saem da memória nunca, gravar uma fita cassete com o som dessas bolachonas tinha a magia e os mistérios da escolha das músicas, do estilo e do encadeamento. Existia programação para tudo, desde o registro simples e direto, deixando o disco rolar todo, até as famosas listas históricas. Eu gostava demais de gravar fitas para ocasiões específicas, principalmente se tinha algum evento especial, como uma balada na chácara de alguém, no pé da Chapada. Nesse caso ir para o lance ouvindo uma fita num roadstar auto-reverse fazia parte do ritual.

Eu não tinha um método determinado e nem reservas quanto a estilos e nacionalidades, simplesmente gravava de acordo com o que vinha na cabeça e no sentimento, e, claro, o que surgia do controle do tempo de cada faixa, as fitas tinham 30 minutos de cada lado, em sua maioria. Gostava de dar nomes às fitas e criava umas capas com colagens ou desenhos. Vou repassar algumas delas, que não tocam mais, mas que são guardadas com muita veneração. Não é saudosismo não, é apenas história bem vivida. Era um tempo voltado para a lisergia, para o cultivo de grandes amizades, para o esporte, para a música, para a leitura e para as descobertas essenciais que guiaram minha vida até aqui. Eis que corriam os anos 70...




Essa aqui se chamava La Beatriz e foi devidamente queimada pelo calor dos cabeçotes:


Lado A

1- Love is the drug – Roxy Music – 4:07
2- Good golly miss Molly – Creedence Cleawater Revival – 2:38
3- No fun – The Stooges- 5:15
4- I’m ready – Freddie King- 3:45
5- Black sheep of the family- The Rainbow – 3:19
6- Shattered – Rolling Stones – 3:47
7- Walkin’ by myself – Johnny Winter – 3:31
8- Trying to get away – Grand Funk – 4:10

Lado B

1- Southern man – Neil Young – 5:34
2- Houses of the holy – Led Zeppelin – 4:01
3- Overnight bag – Rory Gallagher – 4:45
4- I ain’t no superstitious – Jeff Beck Group – 4:55
5- Stop – James Gang – 4:05
6- Lady love – Robin Trower – 3:02
7- Statesboro blues – Allman Brothers Band – 4:34



quarta-feira, 16 de maio de 2012

Rory Gallagher - A Million Miles Away Irish Tour 1974


AOS VIVOS


RORY GALLAGHER – Irish Tour

Existe uma estátua de Rory Gallagher em sua cidade natal, Ballyshannon, como também existe lá um festival anual em sua homenagem. Esse ano o Rory Gallagher Tribute Festival Internacional acontece entre quinta-feira, 31 de maio, e domingo, 03 junho de 2012. Mas, isso ainda é pouco para ilustrar a genialidade desse guitarrista irlandês.




Além de um estilo próprio, o que não é fácil no universo das guitarras, Rory Gallagher tinha uma técnica apurada, sem ser pomposo, sem ser enfadonho, e, principalmente, sem ser um manézão da guitarra, que despeja trezentas escalas por minuto, quatrocentas alavancadas por segundo e ainda arranja tempo para arrumar o cabelo para foto, tirada por outro manézão da plateia, que balança desesperadamente a cabeça para ver se ela pega no tranco.

Irish Tour é uma das maiores obras do rock. É um daqueles discos que você deve ter sempre dois exemplares para prevenir qualquer imprevisto. Esse, de fato, é um disco vivo, e eterno. Irish Tour foi registrado em janeiro de 1974, com gravações escolhidas dos shows: Belfast’s Ulster Hall, Dublin’s Carlton Cinema and Cork’s City Hall. Em plena forma, Rory Gallagher desfila aqui o seu fraseado energético e seu timbre apologético.




São raros os guitarristas que sabem para que serve o botão de volume da guitarra. Também são escassos aqueles guitarristas que sabem explorar todos os timbres de um amplificador valvulado, e sem precisar de uma parafernália de periféricos e microfones customizados e combinações bizarras e processamentos alienígenas de sinais. Apenas guitarra, amplificador e talento. Rory Gallagher é um deles. Um verdadeiro mestre da pegada. Além de tudo isso, a sua apresentação era incendiária e o seu carisma era um verdadeiro show à parte.

A banda é apresentada logo ao fim da primeira música: “Cradle Rock”, do disco “Tattoo”, lançado em 11 de agosto de 1973. Com Rod De’Ath (drums) Lou Martin (keyboards) and Gerry McAvoy (bass), Rory Gallagher apresenta o seu cartão de visitas em grande estilo, com direito a um solo visceral de slide, em sua legendária Fender desbotada. Esse é o início de uma viagem histórica do blues/rock. O que vem depois é puro sentimento de um autêntico band lead.

A segunda faixa é um clássico de Muddy Waters, iniciado só com a guitarra de Rory chorando a crueza do blues, nessa pequena passagem inicial, é possível você perceber a maestria nos timbres cristalinos de Rory Gallagher, que vai fundo nas válvulas e nos captadores, somente, o resto é pegada, velho. Pegada. Isso é o que faz um guitarrista entrar para a história. Com certeza você já escutou vários solos de blues. O dele, em “I Wonder Who” é seminal. Escute e você será contaminado. Em determinado momento é possível ouvir de fundo um chiado, comum em captadores single coil e amplificador valvulado no talo.



“Tattoo’d Lady” é a terceira faixa, também oriunda do disco “Tattoo”. Esse é um rock’n’rrol básico, cru, daqueles que você lembra a melodia quando está trabalhando e lamenta a falta de tempo ideal para curtir o que há de bom na vida. Não tem como você ouvir essa música de forma impassível. Logo em seguida vem “Too Much Alcohol”, do lendário guitarrista de blues americano J. B. Hutto, outro mestre do slide. Clima imperdível. Claro que Rory apresenta seu slide.

“As the Crow Flies” é uma daquelas faixas acústicas tidas como obscuras, mas que de secundárias não têm nada. Essa é uma faixa emocionante. Toda vez que a escuto eu não me conformo com a morte prematura desse cara. Sacanagem, tanto político calhorda que já devia ter os olhos comidos pelos urubus... “A Million Miles Away” começa com o verdadeiro timbre da Fender, com harmônicos flamejantes e solo inspirado demais.

Também do disco “Tattoo”. Essa é uma balada daquelas históricas. A metáfora de vento e vela é propícia demais para essa faixa. Aqui é possível entender o que esse guitarrista tem de muito especial, o solo explorando o volume da guitarra não é pra qualquer um. É uma faixa que tem uma melancolia inevitável, pela letra, pela melodia e pelas dinâmicas da banda. Estou escrevendo agora profundamente emocionado, ele está à milhas de distância, indo, e eu também. Vou parar por aqui...

Escute o disco todo e não perca a oportunidade de visitar a página oficial desse mestre, que é magistral, com muita informação e muito material histórico: http://www.rorygallagher.com/






terça-feira, 8 de maio de 2012


CLÁSSICOS



ÁGUIA NÃO COME MOSCA – Azymuth
Instrumental brasileiro nas alturas

Esse é o segundo disco da banda brasileira de jazz fusion, lançado em 1977, no auge desse gênero, com grandes nomes lançando discos excepcionais por toda a década de 70 e início da década de 80. Os rótulos se multiplicavam na mídia especializada, assim como as críticas favoráveis e desfavoráveis. Os brasileiros não só estavam inseridos nesse cenário, como também já eram muito respeitados pela habilidade harmônica, pela inventividade e pelo exímio domínio da linguagem instrumental.

Enquanto parte da crítica internacional torcia o nariz para as misturas, nomes como Azymuth, Oregon, Egberto Gismonti, Wayne Shorter, Raul de Souza, Airto Moreira, Gato Barbieri, Caldera, Shakti, entre outros, misturavam o jazz com culturas diversas e se alinhavam a outros que misturavam o jazz com o rock, o funk, o sol e o blues, tais como Weather Report, Stanley Clarke, Larry Coryell, James Blood Ulmer, Mahavishnu Orchestra, L.A. Express, Passaport, Pat Martino, Chick Corea, e vários outros,  lançavam uma obra prima atrás da outra, independente do que os puristas pensavam, ou pensam, tanto faz.

Ouvir “Águia não Come Mosca” não é voltar no tempo, nem muito menos destilar um saudosismo inoportuno de como a década de 70 era mágica, mas sim, confirmar o fôlego criativo de uma banda que está na ativa até hoje. Falo de excelência, não falo de caretice burocrática e cerebral de um Wynton Marsalis desses, saído de uma escola quartel qualquer, movido a purismo flatulento e mecanicismo instrumental, que resulta em uma máquina de reproduzir escalas em alta velocidade. Falo de manha, falo de suingue, falo de criatividade com virtuosismo pleno.


O trio José Roberto Bertrami, Alex Malheiros e Ivan Conti, respectivamente: teclados, baixo e bateria, antes de formarem a banda Azymuth, já tinha em seu currículo uma série de participações em discos de artistas importantes do cenário da música brasileira. Nesse sentido vale a pena conferir a sonoridade espetacular de discos como “Eu quero é botar o meu bloco na rua”, de Sérgio Sampaio, e “Alucinação”, de Belchior. Os timbres de piano fender com chorus, baixo fretless e bateria encorpada, mais para o rock do que para o jazz, fizeram a ambiência de muitas viagens sonoras.

Eu sempre achei o som dessa banda muito especial, com capacidade total de hipnotizar qualquer um, com força suficiente para chapar. Assim que comprei o LP, passei a pancada sonora para uma fita cassete cromo, tdk, e fomos ouvir subindo a serra, em busca do Serrano, um clube campestre aqui do Crato, no famoso Corcel I, marrom, do meu amigo Boris. Desde esse dia célebre, foram inúmeras viagens e mais viagens na companhia de Azymuth, de Boris, de Etym e de Cândido Filho. Em pleno 1977.

A primeira faixa é uma singela melodia, viajandona que só: Vôo sobre o horizonte, depois disso, até à faixa 10, é puro suingue brasileiro, misturando samba, bossa, afro, jazz, funk e mpb. Essa é uma das cozinhas mais perfeitas do instrumental brasileiro, uma mistura de pegada visceral e sutileza, com muita síncope e explorações de tempos fracos e contratempos, em texturas rítmicas embriagantes. Destaques para “Águia não come mosca”, “Tarde”, “Despertar”, “Tamborim, cuíca, ganzá, berimbau”,  “A presa” e “A caça”. A sonoridade da banda nessa produção lembra os timbres de teclados de Herbie Hancock e The Jeff Lorber Fusion, com levadas funk.

A mistura de samba fica por conta da adição de Ariovaldo, Nenem, Doutor e Jorginho, na percussão brasileira, que tem o seu apogeu na última faixa: “Águia negra x Dragão negro”, com a adição de uma torcida vibrando em plena vibração no Maracanã. A gravação analógica deixa essa obra prima com uma sonoridade única e intransferível.

domingo, 6 de maio de 2012

Clássicos





Que disco é esse, cara!!!???


Eu poderia comentar qualquer disco desse maluco, com ou sem Crazy Horse, que caberia numa boa. Neil Young é dono de uma discografia monumental. Esse é um artista extremamente significativo para qualquer uma geração que goste de música de boa qualidade. Mas o fato é que eu tenho uma relação toda especial com essa pedrada chamada Sleep With Angels. 1994 foi um ano em que fui acometido de uma melancolia muito pesada, que durou aí um bom tempo, foi a música e a leitura que me salvaram, pois eu não me interessa por mais nada além disso.

Há quem diga que essa foi uma busca de Neil Young em reviver velhos tempos com seus companheiros de viagem, responsáveis por momentos iluminadamente chapantes, como todos os seus álbuns da década de 70. Se foi isso mesmo ou não, a verdade é que Sleep With Angels tem baladas com violões mágicos, guitarras distorcidas, climas espaciais com solos inspirados e a pegada crua da banda Crazy Horse, esse disco é uma espécie de travessia de um deserto a bordo de um balão entre o final da tarde e o anoitecer .

Esse disco é também conhecido pela ligação direta de Neil Young com a carta de despedida de Kurt Cobain, em que um verso da música Hey Hey, My My (into the Black) é citado: “It's better to burn out than to fade away - É melhor queimar do que se apagar aos poucos”. A música sleep with angels é dedicada a Kurt e tem letra e timbragem que ondulam entre o soturno e o delicado. Essa música acaba de uma vez, deixando suspenso no ar o prematuro de um fim inaceitável.

Logo depois dessa música vem uma das baladas mais bonitas desse canadense mestre dos timbres valvulados, escute “Western Hero” de frente para um pé de serra, de preferência aqui no Cariri, de frente para Chapada do Araripe, que você terá uma experiência transcendental. Pois logo depois de ”Western Hero” vem “Change Your Mind”, o que é garantia total de um vôo pleno, por sobre mares, montanhas, rios e natureza humana, além dos desertos, é claro. O solo de Neil Young nessa música é uma ligação única com os arquétipos da guitarra, não é fritura, não é virtuose, não é técnica apurada, é apenas o verdadeiro espírito do rock dançando sobre o tempo, se deixando levar pela inspiração.

Feche os olhos e reflita sobre os dias atuais, sobre o cotidiano, sobre as coisas simples, e sinta por sobre os seus ombros os dias que se passam descontinuamente, e que de forma fragmentada marcam a sua passagem pela vida, bem como determinam suas ligações eternas com os vivos e os mortos. No fundo eles são as mesmas pessoas, todos nós carregamos nossos cadáveres em forma de unhas, cabelos, cílios, esperanças e metamorfoses. Se você trilhar sobre esse viés, você estará bem próximo da essência desse disco insubstituível, intransferível, inesquecível.

Se você escutou as faixas citadas aqui e ainda não se convenceu, escute então a próxima: “Blue Eden” e mergulhe na atmosfera mágica do blues elétrico em pessoa, forte, agressivo e desesperadamente inquieto. Aqui a guitarra lamenta existir apenas uma vez de cada vez. Pena é que ela é rápida demais. Não a guitarra, mas a música. Ainda bem que a viagem de Sleep With Angels não termina aí. Logo em seguida vem a líquida e vaporosa “Safeway Cart”, abordando a falta de perspectiva daqueles que nascem nos guetos. Música singela e dura.

Não comentei nem o início e nem o final do disco, que é pra você descobrir com quantas viagens se faz um disco de Neil Young. Esse é o vigésimo segundo disco dele e o sexto com a Crazy Horse. Esse é o tipo de disco que a gente tem que guardar na alma, que é para escutar na hora que bem entender.